Aikido Shugyo Dojo

Textos 10 anos

Texto 1: HONRA E GRATIDÃO

Iniciamos mais um ano de nossas vidas. Mais do que simplesmente comemorar mais um aniversário de formação, neste ano de 2011 estaremos comemorando os dez anos de criação do Aikido Shugyo Dojo. Entretanto, para contar essa história, todo o dia 10 até o mês de agosto, estarei postando um capítulo dessa longa jornada que, verdadeiramente, teve início em 1994, quando dei início aos treinos de Aikido.

É imperativo que o leitor tenha a absoluta certeza de que a história do nosso grupo é fundamentada sobre fortes princípios éticos, morais e que a gratidão pelos nossos pais, companheiros, companheiras, mestres e alunos são os pontos fundamentais que nos guiaram até esse momento. Agradecemos primeiramente a Deus, por toda a criação, aos meus pais, Ivone e Roberto pela educação que me foi dada, aos meus sogros Leni e João Francisco (in memorian), que sempre me incentivaram a praticar o Aikido. Agradeço a minha querida esposa Maristela, que além de me apresentar a essa maravilhosa arte-marcial, nunca deixou de estar ao meu lado nos momentos bons e ruins...grande mulher, mãe e companheira de batalhas, vencidas e, principalmente nas perdidas. Não posso deixar de agradecer a minha pequena filha Mariana que, ainda sem entender muito bem como as coisas funcionam, sempre me recebe com um sorriso, mesmo com a ausência do pai nas noites ou finais de semana em que passo dedicado ao Aikido.

Agradeço fortemente ao nosso mestre direto, Sensei Rodolfo Reolon, faixa-preta 5º Dan e introdutor oficial do Aikido no Estado do Paraná, pessoa que tem todo o meu respeito e admiração pelo trabalho e por toda a minha trajetória como aikidoísta. Ao meu primeiro mestre e a pessoa que me iniciou no Aikido, Sensei Fernando Pilz, que hoje não mais freqüenta os tatames mas mora dentro do meu coração, eternamente.

Agradeço e dedico esse ano de trabalho ao nosso eterno e saudoso mestre, o Dr. Reishin Kawai, Hombu Shihan, 8º Dan e introdutor do Aikido em nosso país, ao qual tivemos a honra de compartilhar momentos incrivelmente agradáveis e que é, e sempre será, diretamente responsável por tudo o que acontece em termos de Aikido, em nosso querido e amado Brasil.

Finalmente, gostaria de agradecer imensamente ao meu grupo de alunos, companheiros de tatame os quais me ajudaram a construir tudo o que somos hoje. Agradeço mesmo aqueles que algum dia passaram por apenas algumas aulas ou ainda àqueles que nos deram as costas, mesmo nos momentos em que mais precisávamos de alunos. Tenho a dizer que essa atitude nos fortaleceu ainda mais, nos fez aguçar o sentimento de grupo e formar um grupo de praticantes espetacular, que tem a admiração e respeito de toda a comunidade aikidoísta.

Aos amigos que partiram, Maurício Yamaguchi (1º Dan) e Marcelo Almeida (1º Kyu) agradeço por todo o tempo que passaram conosco. Sentimos muito as suas ausências mas temos a certeza de que, a cada treino, a cada kotegaeshi, a cada nikyo, a cada saudação, vocês dois estão lá conosco. E posso dizer com tranqüilidade de quem teve a honra de compartilhar Aikido com vocês: vocês ainda fazem e sempre farão parte do Aikido Shugyo Dojo.

Aos que ainda virão treinar conosco deixo uma palavra de amizade e deixo o convite de que venham nos conhecer e compartilhar Aikido. Venham ajudar a construir o Aikido Shugyo Dojo do futuro, escrevendo mais páginas dessa bonita história de nossas vidas.

A partir do próximo mês, dia 10 de fevereiro, iremos postar o primeiro capítulo da nossa história, quando iniciei os estudos do Aikido na cidade de Joinville-SC, sob a orientação do Sensei Fernando Pilz, faixa-preta 1º Dan. Espero que todos possam aproveitar e entender de onde viemos, onde estamos e onde poderemos chegar com a prática do Aikido no Aikido Shugyo Dojo, que este ano completa seus dez anos.

Muito obrigado!

Sensei Gilberto Marecos
Faixa Preta 4º Dan – Aikikai / Shidoin

Texto 2: O AIKIDO EM MINHA VIDA, O INÍCIO

O ano é 1994...às vésperas da Copa do Mundo de Futebol, esporte que sou admirador e torcedor. Após ficar três anos sem praticar nenhuma arte marcial, decidi procurar uma luta em que eu não estaria pondo em risco a minha integridade física, já que tive uma lesão muito séria no olho direito quando praticava Muay Thai em uma academia aqui de Curitiba.

Trabalhava oito horas por dia e frequentava o curso de Estatística na Universidade Federal do Paraná de segunda a sexta-feira no período noturno e só me restavam os finais de semana para treinar. Optei por procurar o Judo, uma modalidade muito bonita, tão nobre e eficaz quanto o Karate-Do e que não me ofereceria risco de ter outra contusão séria como a que tive anteriormente. Agora entendo que não é bem assim, pois toda atividade física envolve risco de lesão. Por que na arte marcial seria diferente? Frustrado com a falta de oferta de aulas de Judo aos sábados nas academias aqui da capital paranaense, solicitei à minha noiva(atual esposa), que residia em Joinville, estado de Santa Catarina, que procurasse uma academia que tivesse aulas de Judo aos sábados à tarde para que eu pudesse ter o pretexto de viajar todos os finais de semana para treinar...sem segundas intenções, claro!!!

Maristela San, por sua vez, toda preocupada em “nos“ ajudar a encontrar uma academia em sua cidade, pois eu seria “obrigado” a ir a joinville todos os finais de semana para treinar...e namorar, foi até a Associação Colon de Judo, uma academia tradicional e muito bem recomendada daquela cidade. Para minha nova frustração, não havia aula de Judo aos sábados. A academia só podia oferecer aulas de Aikido, uma arte marcial ainda desconhecida por mim, nos sábados a tarde, sob a orientação do professor Fernando Pilz, faixa-preta 1º Dan.

Naquela mesma semana, recebi pelo correio uma carta de minha noiva (naquela época ainda não se utilizava o e-mail) explicando do que se tratava aquela modalidade diferente e que ninguém ainda ouvira falar, ao menos não no meu núcleo de relacionamentos. Me surpreendi com o que as palavras daquela carta revelavam e a cada parágrafo eu ficava mais intrigado e tentado a conhecer e praticar essa modalidade de nome estranho e que sugere brincadeiras de pessoas desinformadas como eu. No sábado seguinte, lá estávamos nós para assistir a um treino de Aikido. Eu, a Maristela San e meu cunhado João Luiz. Ficamos muito impressionados com o que víamos. Era uma turma pequena, mas o que mais me chamou a atenção, além dos movimentos circulares e exóticos, foi a educação, o respeito e a tranquilidade transmitida pelo Sensei, o que me conquistou de imediato.

No sábado, retornei para um treino experimental. Me paramentei com meu velho uniforme do Muay Thai, calça comprida de agasalho com as pernas bem folgadas e camiseta preta com duas serpentes Naja às costas. Tudo para que percebessem que eu não era um principiante em artes marciais e poderia ser perigoso se provocado...coitado!!! Minhas primeiras quedas foram um verdadeiro teste para as estruturas da academia, pois a cada tombo as vidraças tremiam como em um terremoto. Tudo, é claro, acompanhado de disfarçadas gargalhadas da Maristela e do meu cunhado João Luiz, que não perdiam nenhum detalhe daquela verdadeira demonstração de tombos e micos a que me submeti...admito que foi muito engraçado.

Vencido esse primeiro momento, algumas dores pelo corpo e uma dificuldade em movimentar o ombro direito, retornei a Curitiba e, já na segunda-feira, adquiri meu primeiro Dogi – uniforme de treino, ato que, definitivamente, me ratificou como praticante de Aikido.

Já para o primeiro treino uniformizado, desenhei caprichosamente um Kanji (ideograma japonês), da palavra Aikido em uma das pontas da minha faixa branca e, orgulhosamente, amarrei na minha cintura. Não preciso nem comentar que fiz um nó completamente errado e que causou risos de quem estava presente.

Desse tempo, fica em primeiro plano na minha memória, a satisfação que senti quando aprendi a fazer uma queda para trás de maneira satisfatória. Isso com a ajuda de um colega, o Rodrigo Arsego, que ficou durante um longo tempo após o treino, de maneira paciente e com extrema boa vontade em me ajudar a melhorar aquele movimento que, para mim, parecia impossível de executar.

Foram dias de muita alegria que guardarei com carinho na minha memória e, principalmente, em meu coração. A turma era composta, por ordem de antiguidade: Rodrigo Arsego, os irmãos Rafael e Giuliano, Marcelo, o Marcos e eu. Mais tarde, a esposa do Sensei Fernando, Denise San, também iniciou a prática. Eram três horas de treino sendo que uma hora era reservada somente para o aquecimento. O Sensei Fernando realmente não dava folga e quando o treino das técnicas começava já estávamos pisando em nossas línguas com um olhar fixo no galão de água na sala ao lado.

Tive uma infância muito boa e aprontei muito, fiz bagunça, fugia para jugar futebol, fugia para andar de bicicleta na rua atrás de casa e depois assumia as surras que levava da minha mãe. Para não correr o risco de cair em um submundo de drogas e outras coisas ruins, meu avô e minha mãe decidiram me colocar para trabalhar. Construíram uma casinha de aproximadamente três metros quadrados e instalaram uma moenda para vender caldo de cana. Com perdão do trocadilho mas, “doce ilusão”, moía o bastante para três copos, um para o cliente e dois para mim...não sobrava nem para o “chorinho” do cliente.

Fiquei por três anos trabalhando com o caldo de cana, o que me impedia de brincar com os amigos. Isso gerou um grande desconforto e constrangimento para mim. Todos passavam na frente do meu caldo de cana sorrindo para mim com certo sarcasmo e deixando que eu ficasse sabendo qual seria a próxima brincadeira. Apesar de ser um amante do futebol, nunca fui exatamente um craque, aliás, eu sempre fui o último a ser escolhido na divisão dos times...isso quando o time preferia jogar com um a menos para ficar mais equilibrado. Essa minha, digamos, pouca qualidade no futebol, era compensada com muita vontade e correria, pois saúde, graças a Deus e a minha adorável mãe, eu sempre tive muita.

A cada jogada, a cada drible ou tentativa de chutar a bola em gol eu ganhava uma sonora vaia ou um “elogio” que geravam risos e gargalhadas das pessoas a minha volta e, lá no fundo, me incomodava um pouco. Até o dia em que decidi parar de me preocupar com o futebol...apenas me contentei em torcer pelo meu time, ir ao estádio ou ver pela televisão. Eu não queria mais aquela sensação de ser o descoordenado, ou o “cego” e ouvir dizer que eu tinha dois pés esquerdos, ou que jogava com os cadarços desamarrados...comentários como: “Gilberto Maçaroca” e coisas do gênero. Já era adulto, estava noivo e queria conquistar mais respeito...mesmo nas brincadeiras. Busquei o Aikido porque nele percebi que podia encontrar esse respeito. Mesmo com minhas dificuldades de coordenação motora eu poderia conquistar o meu espaço sem competir com ninguém.

Entretanto, como nem tudo são flores em nosso caminho, em um treino-demonstração com Pádua Sensei, na época 3º Dan, em Joinville, tive que passar por essa sensação novamente. Após ficar por quase uma hora na posição seiza, sentado sobre os calcanhares, levantei para treinar com o Sensei Pádua. Da mesma maneira que levantei, me estatelei no chão. Meus pés haviam “dormido” e eu, simplesmente, não conseguia levantar do chão. Foi uma gargalhada geral e aquela sensação do “Gilberto Maçaroca” estava de volta.

Aí vem, talvez, o momento mais decisivo de toda a minha história no Aikido: Pádua Sensei, com sua peculiar calma e paciência, sorriu e, demonstrando preocupação, perguntou: “ -- Tudo bem? Pode continuar? Se quiser eu espero, fique tranqüilo”. Todos se calaram aparentando certo constrangimento pela situação.

Aquilo foi uma lição de como eu gostaria de ser. Ter uma alta graduação no Aikido, fala mansa e respeito ao seu semelhante; conquistando a atenção e respeito de todos pela atitude gentil que teve comigo. Naquele momento decidi que o Aikido estaria na minha vida para sempre...de corpo e alma.

No próximo mês vou relatar meu encontro com Nicolás Sensei, nossos treinos na Universidade Federal do Paraná nos tatames velhos cobertos de poeira, nossas caminhadas em turma e o lanche na casa da minha mãe.

Até a próxima!!!

Sensei Gilberto Marecos
Faixa Preta 4º Dan – Aikikai / Shidoin

Texto 3: ENCONTROS E DESENCONTROS

Ao chegar ao Dojo de Joinville para o meu habitual treino de Sábado à tarde, Sensei Fernando Pilz veio até mim e disse o seguinte: “– Não me deixe esquecer. Ao final do treino preciso lhe passar o número de telefone de um faixa-preta que mora em Curitiba para que vocês possam se encontrar e treinar. Ele é peruano e nos encontramos todos os meses lá na Academia Central, em São Paulo por ocasião dos Yudanshakai – treino para faixas-pretas.”

Na segunda-feira, ainda pela manhã, liguei para o telefone anotado pelo Sensei Fernando e, do outro lado da linha, uma voz com um forte sotaque espanhol se apresentou como Nicolás. Fiquei um pouco constrangido por se tratar de um faixa-preta de Aikido e eu um mero iniciante e ainda com pouquíssimos treinos no currículo.

Combinamos de nos encontrar após o meu expediente no banco às 18:30 horas em frente a Universidade Federal do Paraná, nas escadarias da Praça Santos Andrade. Conforme combinado, às 18:20 horas eu já estava lá, cheio de expectativas, quando percebi que uma velha afirmação da minha esposa Maristela era verdade...”homem não sabe combinar encontros”. Estava eu lá na frente da universidade, uma porção de pessoas indo e vindo, outras sentadas nas escadarias bem como na base das bonitas colunas daquele prédio histórico de Curitiba e eu não sabia uma característica sequer da pessoa que eu estava esperando, nem cor das roupas ou mesmo alguma característica física. Ou seja: o reconhecimento seria por pura dedução.

Observei aquelas pessoas que passavam por ali. Estudantes, professores, funcionários e outras que não aparentavam nenhuma característica que os remetesse ao meio acadêmico, que o local sugeria. Atentamente observava a todos que circulavam por ali quando, de repente, avistei um rapaz de cabelos negros olhos amendoados e ligeiramente puxados e uma pasta do curso de turismo no colo, sentado à base de uma das colunas de sustentação do prédio. Me dirigi àquele sujeito e indaguei: “– Nicolás???”. No que ele respondeu: “– Gilberto???”. Eu estava certo e acabara de encontrar uma das pessoas mais queridas e agradáveis que já conheci. Trata-se do Nicolás Sensei, ou simplesmente Nico... tal era a sua simplicidade e humildade, mesmo apesar de possuir uma das técnicas mais bonitas e eficazes que conheço.

Por coincidência e também para nossa surpresa e alegria, tínhamos um horário livre das aulas na universidade bem nas quintas-feiras, coisas do destino, quando marcamos um encontro no campus Centro Politécnico, que era um complexo vizinho ao Departamento de Educação Física, onde existiam muitos tatames que poderíamos utilizar para treinar. Na realidade quem iria treinar era ele pois cheguei a pensar que eu só iria lá para dar vexame.

Chegando lá, avistamos os tatames e fomos ávidos para começar o treino e rolar um pouco. Queria muito mostrar tudo que eu havia aprendido após um mês de treino e quatro aulas de três horas com o Sensei Fernando, em Joinville. Apesar desse entusiasmo todo, foi desanimador perceber que os tatames estavam com uma grossa camada de poeira que pareciam estar abandonados há muito tempo. Nenhuma vassoura ou panos estavam disponíveis no local. O que nos obrigou a procurar em todo o ginásio em cada porta dos banheiros ou embaixo das escadas.

Com tudo um pouco mais limpo e já devidamente vestidos, eu com meu Dogi (quimono) da marca Dragão, faixa branca e chinelos e o Sensei Nico com seu Dogi trançado e um magnífico e imponente Hakama azul petróleo, que só pude perceber que não era preto muitos anos mais tarde depois de uma conversa sobre o Hakama.

Fizemos um breve aquecimento e daríamos início ao treinamento dos Ukemi (quedas). Travei e não conseguia nem começar. Nicolás Sensei, pacientemente, foi insistindo e me encorajando a cair. E se resumiu àquilo o meu primeiro treino de Aikido em Curitiba...uma fiasqueira só. Frustração total, principalmente para mim, que esperava um desempenho um pouco melhor de minha parte.

Após esse pseudo treino, já perto das 22:00 horas, decidimos ir a pé até a minha casa, que ficava a uns trinta minutos do ginásio. Chegando lá, minha mãe dormia confortavelmente quando cheguei. Comecei a procurar algo para comermos pois sabia como seria difícil que Nicolás Sensei encontrasse alguma coisa para comer em casa, pois era tarde da noite, estudante, estrangeiro, morava em uma pensão no alto da nossa Igreja Matriz - Catedral Metropolitana de Curitiba, na Praça Tiradentes.

Ao ouvir minha movimentação pela cozinha, minha mãe desceu as escadas quando apresentei meu novo amigo. Tanto eu quanto minha mãe, somos profundos simpatizantes do idioma espanhol, pois meu pai é paraguaio e essa língua me é muito familiar, desde pequeno.

Imediatamente ela se pôs a preparar alguns sanduíches para satisfazer aqueles dois amigos famintos e cheios de coisas para conversar e compartilhar. Em alguns minutos devoramos todos os sete hamburguers e tratamos de descansar, pois no dia seguinte o despertar seria cedo e muito trabalho nos aguardava. Eu no banco e ele na faculdade de turismo.

Voltando aos treinos em Joinville, em alguns sábados, o Sensei Fernando nos levava a Florianópolis para participar de treinos com o Sensei Pádua e seu grupo, a Associação Catarinense de Aikido – ACAI. Posso atestar que um forte laço de amizade se estabeleceu com aqueles encontros. Laços que perduram até os dias de hoje. Lembro que eles estavam combinando uma viagem à São Paulo a fim de passarem uma semana na Academia Central. Como eu estaria em férias do banco, me “escalei” para estar junto deles nessa “semanada” de muitos treinos e passeios em São Paulo.

Veio o final do ano, tive que suspender meus treinos em Joinville por ocasião de meu casamento com a Maristela e não saberia como seriam as coisas. Após o casamento, minhas viagens a Joinville seriam mais restritas e eu ficaria mais tempos afastado dos treinos. Com relação a viagem com o grupo da ACAI, fiquei sabendo que o fretamento de um ônibus não foi concretizado e os amigos de Floripa não iriam mais a São Paulo.

Decepcionado mas, ao mesmo tempo, apreensivo com relação ao meu futuro como aikidoísta, resolvi ir a São Paulo mesmo assim. Ainda que sozinho e sem a mínima condição técnica ou física de poder me fazer passar por um praticante de Aikido.

No próximo mês, irei relatar minha viagem a São Paulo, meu primeiro encontro com o Shihan Kawai, sua adorável esposa, Dona Letícia e minha experiência em novos tatames...micos e passeios incrivelmente agradáveis bem como a chegada do Sensei Rodolfo a Curitiba e meu compromisso com Kawai Shihan.

Sensei Gilberto Marecos
Faixa Preta 4º Dan – Aikikai / Shidoin

Texto 4: AMIZADE, AIKIDO E COMPROMISSO

Recém casado e cheio de dúvidas em relação a continuidade dos meus treinos de Aikido, uma vez que em Curitiba não existia nenhum grupo de Aikido regularmente filiado à Kawai Shihan, resolvi embarcar para São Paulo com uma mochila, no topo dela, do lado de fora, meu uniforme de Aikido com a faixinha branca pendurada e um Jo (bastão de madeira) nas mãos.

Lembro que estava com receio de levar dinheiro comigo e embarquei no ônibus apenas com alguns trocados com a absoluta certeza de que, no Terminal Rodoviário do Tietê teria um grande e seguro caixa eletrônico para que eu fizesse um pequeno saque para um lanche.

Para minha surpresa e desespero, não existia absolutamente nenhum caixa eletrônico no terminal, ou seja, aqueles trocados serviriam somente para tomar um ônibus não sei para onde, pois ninguém sabia sequer qual ônibus me indicar para chegar ao bairro Jardim Bonfiglioli, na capital paulista.

Em uma atitude extrema de desespero, fui até a janela de um taxi e indaguei ao taxista:
– Daqui até o Jardim Bonfiglioli quanto sairia uma corrida?
No que o moço respondeu:
– Deve dar em torno de uns 25 Reais, mais ou menos.

Em seguida passei a fazer contas, pois o valor da minha passagem de Curitiba para São Paulo tinha me custado 12 Reais...era menos da metade pedida pelo taxista, um absurdo.

Por outro lado, eu não tinha muitas opções e ainda tive que perguntar ao taxista se ele aceitaria um cheque meu, dando-lhe certeza do provimento de fundos. Com a aceitação dele, embarquei no taxi um tanto aliviado mas me sentindo explorado...aborrecido mesmo.

Cheguei em frente ao Dojo de Kawai Sensei exatamente às 18:38 de sábado. Ainda estava claro e a rua deserta com apenas um carro estacionado em frente ao vizinho do meu mestre. Não sabia onde bater pois não existia nenhuma placa indicativa de academia ou que pudesse me dar uma pista de que se tratava de um Dojo de Aikido.

Decidi me sentar junto a calçada e pensar no que fazer. Passaram-se poucos minutos até que um veículo apontou na esquina com um casal de velhinhos japoneses no seu interior. O motorista me pareceu familiar mas não imaginava que teria a grande sorte de conhecer Kawai Sensei logo de imediato.

O carro embicou em frente ao portão da casa à minha frente e o motorista desceu e se dirigiu a mim com um forte sotaque nipônico:

– Ocê, academia bate.
Não tinha mais dúvidas: eu estava diante da maior expressão do Aikido na América do Sul, o introdutor da arte no Brasil...o Shihan Reishin Kawai.
Imediatamente me pus a bater em uma das portas que existiam naquele muro sem nenhuma resposta. Enquanto batia eu não tirava o olho daquele que seria uma das pessoas mais importantes da minha vida. Kawai Sensei, vendo o meu insucesso com a porta, sem nenhuma resposta por parte de quem deveria estar do lado de dentro, abriu novamente o portão, atravessou a rua, pôs o ouvido direito na porta para ver se havia alguém e em seguida, chamou alguém com um forte e vigoroso grito:
– AUGUDOOO!!!
Imediatamente a porta se abriu e um rapaz todo de branco e com a cabeça raspada respondeu parecendo muito assustado:
– Hai, Sensei!!!

Era o Sensei Augusto Barrinha, uchi-deshi de Kawai Sensei, na época e estava terminando de limpar o Dojo. Foi o início de uma boa amizade!
Passamos a noite conversando sobre o meu início no Aikido, Kawai Sensei, Dona Letícia Kawai, as dificuldades de um uchi-deshi, cultura japonesa e medicina oriental. Nessa conversa ouvi pela primeira vez o nome do Sensei Rodolfo Reolon, que estaria acertado para iniciar um trabalho em Curitiba.

Na manhã seguinte, um bonito domingo de sol, havia acabado de acordar e, ainda no tatame, avistei no alto da escada que dá acesso ao Dojo um grupo de pessoas com grandes mochilas, travesseiros e sacos de dormir. Era um grupo de aproximadamente dez pessoas vindas de Florianópolis...meus amigos de Floripa foram até São Paulo para passar uma semana de treinamentos recheadas por divertidos passeios. Eu não estava mais sozinho!!!

Em menos de uma hora já estávamos treinando e compartilhando o que mais gostamos de fazer...Aikido. Ao final do treino, Kawai Sensei veio até o Dojo, fez Jyu Waza com todos os presentes e convidou a todos para um chá:
– Aí chá toma, embora faz favor!!!
Não entendi muito bem e, mesmo assim, acompanhei meus amigos nas risadas. Hoje essa frase é célebre em nosso Dojo. A cada dia que tomamos um chá ela é lembrada com muito carinho e saudade do nosso querido Mestre.

Feito isso, demonstrando organização e união, meus amigos catarinenses se reuniram no centro do tatame para conversar e definir tarefas que iriam desempenhar no Dojo para os próximos cinco dias. Alguns ficaram empenhados com a faxina dos banheiros, outros com a limpeza das arquibancadas, outros do tatame e vestiário, um grupo se responsabilizou pelo almoço e jantar. Posso assegurar a todos que essas atitudes ainda fazem parte da forma que eu enxergo a prática do Aikido...uma união e um respeito muito grande pelos amigos, pelos mestres e pela arte.

Foi uma semana muito intensa com muitos e muitos treinos, sempre seguidos de vigorosas lavagens de quimonos no tanque da academia. Durante o dia, enquanto os quimonos secavam, passeávamos pela cidade de São Paulo, seus pontos turísticos, museus, cinemas, parques e zoológico. Na quarta-feira fomos ao bairro da Liberdade fazer compras. Fiquei encantado com a variedade de coisas que vi e presenciei. Meus amigos paravam em todas as lojas para perguntar preço ou ver artesanatos e artigos orientais. A volta da Liberdade foi outra aventura. Uma longa viagem de ônibus urbano cheio de pacotes com presentes, lembranças, bokken (espada de madeira), shinai (espada de bambu), jo (bastão de madeira) e muito, muito cansaço no corpo. Um calor infernal dentro do ônibus e a maioria do grupo cochilando com as cabeças baixas e sacolejando ao sabor dos solavancos do veículo em decorrência dos buracos nas ruas da capital paulista.

Enfim chegamos ao Dojo e, prontamente fomos tomar banho pois logo mais as 19:30 horas haveria um treino de armas com Kawai Sensei. Era impressionante o cansaço e a vontade de tirar uma soneca antes do treino mas não havia tempo para isso. Após o treino jantamos e fomos direto para a cama, digo, tatame gozar de um merecido descanso. Antes de dormir, não faltaram as tradicionais piadas e histórias de fantasmas samurais que rondavam o Dojo. Podíamos até ver, no telhado, a silhueta de uma senhora com um véu em posição de seiza fazendo uma oração. Após adormecermos, o descanso que só seria quebrado, lá pelas três horas da manhã, por um “ataque samurai”. Rodheber San, ou “SamuRheber” como ficou conhecido, empunhando um bonito bokken e coberto por uma manta desceu as escadarias da academia gritando “Banzaaaai”. Até acenderem as luzes eu não havia entendido o porquê daquela gritaria toda e correria de todos. Acordei com a indignação de todos pelo meu sono pesado e indiferença ao “ataque samurai” que sofremos naquela madrugada.

No dia seguinte fomos ao MASP ver uma exposição de arte moderna. Confesso que aquilo não me chamou tanto a atenção quanto um filme que estava em cartaz a duas quadras dali. Como ninguém queria vir comigo ao cinema, fui sozinho e nos encontramos à noite para o treino.

Na sexta-feira, fomos com Pádua Sensei até o Zoológico para ver bichinhos. Eu poderia ter aproveitado melhor o passeio se não fossem os calos nos meus pés que estavam me matando. Andamos muito e treinamos muito durante aquela semana até chegar o domingo seguinte em que meus amigos iriam embora.

Quanto a mim, treinei ainda no sábado de manhã e, à tarde, fui até um pequeno comércio ali perto da academia, o “Supermercado Yamashita”, onde comprei uma bonita caneta de presente para o Shihan Kawai e outra para sua esposa, Dona Letícia Kawai. Depois fui até a avenida Francisco Morato para comprar minha passagem de retorno a Curitiba. Domingo pela manhã, mais uma vez, demonstrei todo o meu desconhecimento a respeito do Aikido. Kawai Sensei me chamou para demonstrar e avaliar uma certa técnica. Disse-me, em seu português nipônico:– Ushiro Koro.
Não entendi nada e fui pela dedução, pensando:
– Bem, ushiro eu sei que é por trás. Agora Koro eu nunca ouvi falar...não sei do que se trata!!!
Kawai Sensei, percebendo minha completa ignorância, pediu a outro praticante, mais graduado, para traduzir...
– É Círculo, se movimente em círculo! Disse ele.
Que vergonha!!! Uma simples palavra. Quando eu achei que já estava entendendo um pouco das coisas, Kawai Sensei me chamou de novo, demonstrou um movimento com Ki e o mesmo com aplicação de força e me disse:
– Di frente... no que eu, imediatamente, me posicionei de frente para ele. Kawai Sensei, mais uma vez, chamou por outro colega do meu lado que, gentilmente, traduziu: – É diferente??? Kawai Sensei está lhe perguntando se é diferente.
Mais uma vez, visivelmente, constrangido, respondi:
– Hai, Sensei, muito diferente!!!

Vexames e bolas fora à parte, foi uma semana de treinos inesquecível. Tirei muitas fotos, me diverti muito e tive a certeza de que tinha encontrado meu caminho. Na segunda-feira pela manhã, fui até a clínica de Kawai Sensei para me despedir e entregar os presentes. Seria a oportunidade de lhe perguntar quando eu poderia treinar Aikido em Curitiba. Ao ver o Sensei, o cumprimentei e fui logo perguntando:
– Sensei, quando Curitiba treina?
Kawai sensei me respondeu prontamente:
– Curitiba, maio, Rodolfo Sensei chega!!!
– Muito obrigado, Sensei, eu aguardo ele chegar. Respondi!
Para minha surpresa, Kawai Sensei tomu a minha mão e pediu:
– Ocê...Rodolfo Sensei ajuda faz favor!!!
– Hai!!!

Novamente o respondi afirmativamente e, pude perceber que aquilo havia mudado muita coisa em minha vida e, talvez, ajudado a construir a história do Aikido no Estado do Paraná.

Sensei Gilberto Marecos
Faixa Preta 4º Dan – Aikikai / Shidoin

Texto 5: FINALMENTE, CURITIBA TREINA

Finalmente chega o mês de maio. Exatamente no dia 5 de maio, uma sexta-feira, recebi uma ligação, ainda pela manhã, no meu local de trabalho. Do outro lado da linha uma voz familiar do Nicolás Sensei com aquele forte sotaque latino me disse que havia alguém querendo falar comigo. Era o tão aguardado e falado Rodolfo Sensei. Trocamos algumas breves palavras pois, naquela época, faixa-preta de Aikido era artigo de luxo e o respeito era muito grande...afinal eu estava falando com o meu Sensei e queria causar-lhe uma boa impressão.

Ao retornar o telefone e falar novamente com Nicolás Sensei, prontamente combinamos para o dia seguinte às 9 horas da manhã, um encontro nas dependências do ginásio do Centro Politécnico para conhecer o Sensei Rodolfo e, claro, dar uma treinadinha.

Veio o dia seguinte e às 8 horas eu já estava lá no ginásio aguardando...eu e minha esposa ansiosos por conhecer aquele que seria o meu mestre e quem eu deveria ajudar...conforme prometido ao Shihan Kawai.

Logo percebi, ao longe, Nicolás Sensei chegando com um garotinho loiro e logo saí comentando com a Maristela:

- O que será que aconteceu? O Sensei Rodolfo não deveria vir junto com ele? Será que ele vem depois, sozinho?

Para minha surpresa, Nicolás Sensei me apresenta aquele garotinho loiro:

- Gilberto, esse é o Sensei Rodolfo que veio para representar o Aikido aqui em Curitiba.

Um tanto surpreso com a aparência frágil, afinal o Sensei Rodolfo é mais baixo e mais magro do que eu. Eu estava acostumado com Fernando Sensei...um pouco mais alto do que eu e Pádua Sensei...bem mais alto, Nicolás Sensei...mais alto e mais forte, enfim, Sensei Rodolfo era, no mínimo, diferente.

Apesar da surpresa, estava muito feliz e empolgado com a presença dele e fui logo me apresentando:

- Muito prazer, Sensei, meu nome é Gilberto, sou seu aluno e estou aguardando a sua chegada desde que soube que o senhor viria, conforme Kawai Sensei me falou lá em São Paulo.

A partir desse primeiro encontro nossas vidas passaram a mudar. Desde então, não houve um dia sequer em que Sensei Rodolfo e sua família não estivesse em meus pensamentos e em meu coração.

Passamos juntos por muita coisa. Foram demonstrações, treinos...treinos fortes, treinos suaves, grandes viagens, novos amigos, nascimento dos nossos filhos, eventos sociais, churrascadas, festas de aniversário, decepções, tristezas, perda de amigos queridos, mudanças, casamentos de colegas, formaturas de colegas, lesões, exames de graduação e todas as situações que o Aikido pode nos proporcionar...tudo valeu a pena e continua valendo, cada segundo vivido...posso afirmar sem medo de errar.

Com tudo isso. tive a sorte de acompanhar de perto toda a trajetória do Aikido aqui em nosso estado. Sensei Rodolfo conduziu sabiamente as coisas do Aikido por aqui. Foram momentos de muita alegria e felicidade mas também tivemos muitos problemas. Problemas de estrutura, problemas de poucos alunos, problemas financeiros e outros que não valem a pena nem comentar. Enfim, tudo aconteceu de forma natural, com muito empenho e dedicação do Sensei Rodolfo, da sua família e de todos os seus alunos mais antigos que ficaram.

Apesar das dificuldades, como grande guerreiro e certo de sua missão, Rodolfo Sensei perseverou. Logo no primeiro mês de treino promoveu algumas demonstrações e a aula inaugural, conforme orientação de Kawai Sensei. Sempre estive presente nessas aulas e demonstrações, eu e a Maristela, minha esposa.

Aos poucos as pessoas foram chegando para treinar. O primeiro local foi na academia Flex Company...no bairro Batel, no 12º andar de um luxuoso prédio comercial. O segundo local foi em um centro de estudos de artes marciais filosóficas, Instituto Bodhidharma, no centro de Curitiba, a poucas quadras do estádio Couto Pereira, em um ambiente que tinha tudo a ver com o Aikido. Muito calmo em um prédio antigo porém muito bonito, com uma música bem suave e uma garrafa térmica de chá de ervas sempre nos aguardando na entrada.

No instituto, apareceram pessoas adoráveis e inesquecíveis como o Evaldo e a Jocília. Pessoas que frequentemente estamos nos encontrando em eventos ou simplesmente em passeios pela cidade e que lembramos com saudades aqueles tempos de Aikido.

Outro local marcante para o nosso Aikido foi a Academia Muzenza, onde até fizemos o nosso primeiro exame de faixa em 1996. Entretanto, creio que o local que mais contribuiu para a formação do nosso grupo foi o Dojo Zen, que ficava nas dependências do estádio do Coritiba Foot Ball Club – o Couto Pereira, logo acima da churrascaria, prédio que hoje não existe mais no mesmo local.

Nesse local, havia um grupo de praticantes em que o seu Sensei havia viajado e não mais retornou para continuar os treinos de Aikido. Esse grupo não tinha nenhuma filiação oficial, mas contava com praticantes de várias graduações e estava sendo liderado pelo aluno mais graduado, um faixa azul chamado Rafael Somma, o qual tive o prazer de me encontrar em uma festa de encerramento de ano do nosso grupo em 2009. Ele é professor de Educação Física e se tornou personal trainner de um de meus alunos. Fiquei surpreso com o reencontro.

Em meio a esses praticantes havia uma pessoa muito dedicada e atenta a tudo, com muita facilidade para aprender e que me serviu como parâmetro na evolução da minha condição física e técnica. Ele foi se mostrando cada vez mais envolvido com o grupo e demonstrando uma grande capacidade de fazer amigos e atrair pessoas para junto dele. Trata-se do Italo Sensei, que já portava a faixa amarela e que passou a ostentar o posto de Sempai (aluno mais antigo)do nosso grupo, uma vez que todos os demais, mais graduados, foram desistindo do Aikido, alguns por problemas particulares, outros por problemas profissionais e outros por incompatibilidade com as novas diretrizes do Aikido.

Para o Italo, o Rodolfo Sensei deixou claro que ele teria que passar pelo exame de faixa amarela novamente, pois o exame que ele fez não teria validade em nosso grupo. Italo Sensei imediatamente concordou e lhe foi permitido utilizar a faixa amarela mesmo antes de fazer o referido exame. Quando chegou o dia do exame, estudante de medicina que era, Italo Sensei não pode comparecer ao exame, pois estava de plantão no hospital e todos ficamos surpresos com a sua ausência.

Meses depois, quando fizemos exame da faixa roxa, Italo Sensei faz os dois exames no mesmo dia e em sequência, o primeiro para ratificar a sua faixa amarela e o segundo para ser promovido à faixa roxa...mais uma vez surpreendente, confirmando aquilo que ouço do Rodolfo Sensei desde que o conheço...”- O Aikido não tem atalhos!”.

Após esse começo, outras pessoas foram chegando...Ilan, Aílton, Altemar, Fábio (mineiro), Luiz Gustavo, Luiz Guilherme e seus irmãos Rui e Pedro, José, Nereu e o meu "irmão" caçula Thyago, bem como tantos outros que lembro com carinho e saudade. Alguns se afastaram simplesmente e outros nos viraram às costas em momentos de decisão ou dificuldade. Alguns preferiram outros caminhos mais fáceis e outros se acharam auto-suficientes o bastante para ignorar todo o conhecimento e confiança que o Sensei Rodolfo nos conferiu.

Todo esse processo inicial de estabelecimento do Aikido aqui no estado do Paraná foi assistido de perto e acompanhado icondicionalmente pela esposa do Sensei Rodolfo, Sensei Andréa Reolon, que havia treinado na Academia Central em São Paulo e chegando a graduação de faixa verde – 3º Kyu, sendo a praticante mais graduada entre todos nós. Entretanto, ela engravidou mais três vezes e isso a afastou por alguns momentos da prática do Aikido de maneira mais ostensiva.

O tempo passou e a primeira turma de yudanshas (faixas-pretas) já estava por se formar. Mês de abril de 1999 e, inicialmente, foram seis novos yudanshas: Andréa Reolon, Italo Domingos, Gilberto Marecos, Luiz Gustavo Lacerda, Nereu Peplow e Flávio Moraes.

Estávamos todos muito ansiosos mas a missão deveria ser cumprida. Prestamos os exames em duplas com os respectivos uke. Primeiramente foram chamados o Italo e Gustavo, em seguida eu e o Flávio Moraes. Com exames de outra cidade o Nereu e, ao final, individualmente, Andréa Sensei pode apresentar à banca sua bela técnica para encerrar a série de exames para shodan – faixa-preta 1º grau.

Particularmente para mim, o exame foi algo indescritível. Ao final do exame eu estava visivelmente ansioso e, apesar de não cometer nenhum erro, o resultado ainda era um mistério...afinal eu poderia ter errado e nem me dado conta do erro.

Entretanto o resultado foi um “-Aprovado por unanimidade!!!”. Não preciso dizer que um filme passou na minha mente e as lágrimas vieram como enxurrada. Não pude evitá-las ao ver minha esposa Maristela com os olhos marejados me dando sinal de positivo aos pés da coluna central da academia. Posso dizer sem medo de errar que foi uma das emoções mais fortes que já pude experimentar, pois só eu e a Maristela sabemos o que passamos até chegar este momento.

Após esse impacto inicial eu deveria me dirigir à banca para assinar a extensa documentação para os faixas-pretas. Logo fui questionado por um simpático sensei, quinto grau e irmão do nosso prefeito, naquela época. Tratava-se do Sensei Célio Taniguchi – 5º grau, que me perguntou como estava a administração do irmão mais novo em Curitiba. Isso promoveu um momento de descontração com a minha resposta: “-Acho que o senhor deve fazer essa pergunta para minha esposa que é professora da Prefeitura Municipal de Curitiba e pode falar melhor do que eu!!!” ... acho que ele não foi perguntar nada a ela, talvez com receio da resposta. Apesar de considerarmos a administração do Sr. Cássio Taniguchi ter sido de satisfatória para boa.

No dia seguinte, logo pela manhã, todos nós estávamos prontos para fazer o nosso primeiro treino com hakama. Foi um yudanshakai muito movimentado e, como de costume, cheio de histórias e ensinamentos do nosso saudoso mestre – Reishin Kawai

Sensei Gilberto Marecos
Faixa Preta 4º Dan – Aikikai / Shidoin

Texto 6: O AIKIDO SHUGYO DOJO

A viagem de retorno de São Paulo, após o exame, foi demais!!! Toda aquela tensão da nossa ida foi compensada com uma viagem muito descontraída...com muito barulho e muita bagunça...nem parecia que tínhamos oito faixas-pretas de Aikido lá dentro do ônibus.

Brincamos de tudo...cantamos, contamos piada, falamos de times de futebol e, por fim, fizemos uma guerra de travesseiros entre o pessoal da frente do ônibus e nós, do fundão...até trincheiras surgiram, homem bomba com o Rodrigo Coutinho deslizando por sobre o encosto dos bancos...nem o Sensei Rodolfo escapou...levou uma surra de travesseiros. Ao final dessa “guerra” tiramos uma foto no posto Petropen com as almofadas fixadas no alto da cabeça...coroando um final de semana inesquecível. Com o passar do tempo fomos nos acostumando com a novidade, ou seja, treinar de hakama. Muitos pisões e pequenos acidentes aconteceram até que o hakama começasse a fazer parte do nosso uniforme de maneira natural.

Afora isso, nossos colegas passaram a, talvez instintivamente, a “exigir” um pouco mais de nós, chegando até a desafiar nossa capacidade técnica e quanto a mim, tinha aquela obrigação de “mostrar serviço” e acabava até a estrapolar nos treinos...tudo justificado pela imaturidade do momento. Ao final de 1998, fui convidado pelo Rodolfo Sensei a iniciar um trabalho na cidade de União da Vitória, ao sul do estado. Imediatamente aceitei pois me achava em condições de ensinar algo ainda que não fosse yudansha (isso ocorreu 9 meses antes do meu exame). Hoje eu avalio a minha total inexperiência e toda a dificuldade que tive, apenas superada pela vontade e determinação em estar lá em União apresentando um pouco de Aikido aos meus amigos. Em União da Vitória-PR e Porto União-SC, as “Gêmeas do Iguaçu”, pude formar um grupo de amigos que duram até os dias de hoje.
O início dessa caminhada em União aconteceu por intermédio do Sr. Wagner Vieira. Funcionário público da Receita Estadual de Santa Catarina, Wagner San vinha a Curitiba para treinar sempre que podia e pediu ao Sensei Rodolfo para que formasse uma turma lá em União da Vitória...aí é que eu entrei na história, como disse, a pedido do Sensei Rodolfo.

Fizemos uma demonstração com muitos interessados...a maioria está no Aikido até hoje. Alguns treinando e outros somente pelo “status” que o Aikido oferece àqueles que se acham auto-suficientes e desprezam a convivência e a parceria com suas origens.
Entretanto, o destino se encarrega de tudo. Desse trabalho que durou até 2001, restaram alguns frutos sadios. Frutos como o Sensei Marcos Grzelczak, hoje faixa-preta 3º Grau...quando começou no Aikido, naquela apresentação em 98, ainda era um menino. Hoje, chefe de família a pai de dois meninos, professor de Educação Física, professor universitário e grande Fisioterapeuta. Sempre segue treinando Aikido...com seu inegável alto nível técnico, inabalável moral e lealdade a mim, ao Sensei Rodolfo e toda história do Aikido Paraná, como manda a receita do bom samurai.

Fora os amigos do Aikido, pude fazer grandes amizades que transcendem os limites do Dojo. Sempre que ia a União da Vitória, após ficar algumas vezes em hotel, fui convidado pela família do meu então aluno Marcos a ficar e pernoitar em sua casa. Novamente pude sentir aquele clima de família...pai, mãe, irmão, café da manhã, e que café da manhã, preparado em fogão à lenha...chimarrão e muitas conversas com o Seu Tadeu e Dona Ilda, pais do Marcos Sensei, família que tem um lugar muito, muito especial dentro do meu coração.

Após meu exame de faixa-preta, fui procurar um local para dar aulas de Aikido também aqui em Curitiba. O primeiro local que encontrei foi a AABB – Associação Atlética do Banco do Brasil. Entretanto, me foi reservado o horário das 21:30 horas em uma sala lá no final do corredor. Ou seja, ao final de todas as outras atividades eu estava começando a minha aula, em um local onde não passava uma viva alma, pelo menos não naquele horário. Nessa época cheguei a convidar um antigo praticante carente do Sensei Rodolfo, o Dario, um imigrante argentino que tentava levar a vida dignamente aqui em Curitiba, sempre trabalhando, apesar das inúmeras dificuldades que uma cidade grande impõe a pessoas sem um emprego, sem uma formação e que não domina muito bem o nosso idioma. Com o passar do tempo, após dois meses de treino e nenhum aluno matriculado, resolvi procurar outro local para oferecer Aikido. Escolhi a Academia de Artes Corporais Bodhidharma, na Avenida das Torres. Para minha sorte, tinha um companheiro de treino, o Luiz Fernando, na época aluno do Sensei Rodolfo, que é psicólogo e conhecia o proprietário daquela academia, o também psicólogo professor Gilberto Gaertner – faixa-preta e professor de Karate na academia. Fui muito bem aceito e me reservaram o “horário nobre” das atividades de academia, entre as 19 e as 21 horas, um horário antes das aulas de Jiu-jitsu. Lembro que chegava antes do horário e ficava observando o final das aulas de Karate do Sensei Julio Arai, pelo qual mantenho profunda admiração e respeito, dado a cordialidade e educação que sempre demonstrou por mim e pelo Aikido.

Entretanto, algumas coisas foram desgastando minha permanência tranqüila na academia. Nos foi reservado um pequeno espaço diante dos três editais para recados do Karate, além de termos em nossas fotos desenhados chifrinhos, dentes de vampiro, cabelinhos, etc. Nossos materiais de treino não tinham lugar específico e, depois, ao chegar no horário de encerrar o treino já éramos “convidados” a nos retirar rapidamente da academia pela secretária, pois ela queria fechar logo o local. Não era raro eu ficar atendendo e recebendo mensalidades no estacionamento da academia...com chuva sob a tampa do porta malas do meu carro. Antes disso, quando ainda não havia nenhum aluno matriculado, eu ficava praticando sozinho...quedas, shikko, treinos de bokken e jo, além de meditar um pouco. Como nosso treino era antes do Jiu-jitsu, alguns alunos dessa modalidade chegavam antes e ficavam fazendo gracinhas, atiravam seus uniformes até o meio do tatame para ver a minha reação...tudo isso até o dia em que, já com alguns alunos, em meio a uma aula vi um uniforme sendo arremessado para dentro do tatame pela janela da frente do Dojo, que era no primeiro andar.

Continuei o treino normalmente até que o dono subiu até o local e me solicitou que o apanhasse. Interrompi a explicação e, aproveitando que eu estava com meu bokken, “pesquei” o uniforme com a ponta da espada e levei até ele dizendo de forma firme e decidida...PEGUE!!! Nunca mais tive problemas com esses meninos mas confesso aquilo começou a me incomodar.
Em outubro de 2001, fizemos um churrasco e uma reunião com o grupo para definirmos o nome do grupo, que até então era conhecido como “Grupo de Praticantes da Academia Bodhidharma”. Foram sugeridos alguns nomes e o vencedor foi: Aikido Shugyo Dojo, com tudo devidamente registrado em ata. Após ser desligado do quadro de funcionários do HSBC, prestei vestibular para Educação Física e procurei outro lugar, em outro bairro, para ter mais uma opção de aulas de Aikido em Curitiba. Escolhi a Academia Happiness, no bairro Boa Vista, onde, novamente, fui muito bem recebido e onde penso que fiz um bom trabalho por cerca de um ano, onde trago comigo alunos daquela geração: Alesandro e André san, faixas-pretas 2º Dan e Elizandra San, sua esposa, faixa-preta 1º Dan, todos comigo até hoje. Após quatro anos na Bodhidharma, um ano na Happines e uma boa turma já formada, fizemos uma grande reunião na Associação Vicking para conversar se havia possibilidade de conquistarmos um espaço exclusivo para a prática do nosso Aikido. A idéia foi muito bem aceita por todos e assim, fomos para o local em que o nosso Dojo se encontra até os dias de hoje, no bairro Cajuru, onde nasci e cresci. Um fato curioso mas divertido é quando, nos treinos de sábado pela manhã, eu estou no Dojo e minhas antigas vizinhas, que me viram crescer, senhoras de idade indo comprar frutas e verduras no varejão, próximo dali, param para conversar um pouco, me atualizando as notícias do bairro.

Esse foi o início do nosso grupo, o Aikido Shugyo Dojo. Grupo que tenho imenso orgulho de liderar e fazer parte. Tento honrar todos os dias da minha vida o empenho, o amor, o carinho e toda a consideração que meus alunos demonstram por mim e minha família. Só posso retribuir isso a eles tentando melhorar as aulas, dando exemplo, cuidando do Dojo, de nossas coisas, promovendo nossas confraternizações, nossas viagens, a busca incessante pela perfeição no treinamento das técnicas, procurando treinar sempre que possível em todos os eventos em que os acompanho e isso todos são testemunha...sempre sigo treinando, nunca me conformei em ficar olhando os outros treinando. O Aikido faz parte do meu ser...da minha vida!

Esse é o Aikido shugyo Dojo, um grupo que não é melhor do que os demais...simplesmente fazemos o nosso caminho com muito amor pelo Aikido, pelos meus professores lá na origem, Senseis Fernando e Nicolás. Ao meu professor, Sensei Rodolfo Reolon e à memória do nosso eterno Mestre...o Shihan Reishin Kawai.

Sensei Gilberto Marecos
Faixa Preta 4º Dan – Aikikai / Shidoin

VÍDEO COMEMORATIVO - AIKIDO SHUGYO DOJO 10 ANOS

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